Foi em Fernando de Noronha/PE, em um mês de abril. Apesar da
série de mergulhos marcantes que temos feito ao longo do tempo, este se destaca
pela magia de ser um naufrágio intacto, ainda com equipamentos, vestes,
uniformes, utensílios e tudo mais, abandonado pelos tripulantes durante o naufrágio,
sem contar a visão fantástica da corveta repousando corretamente a cerca de 60m
de profundidade, em posição de navegação, nas águas da Ponta da Sapata.
A Corveta Ipiranga V 17 é uma embarcação da classe
Imperial Marinheiro. Elas foram idealizadas e tiveram sua construção autorizada
pelo Almirante Renato de Almeida Guillobel, quando na gestão do Ministério da
Marinha. Foram originalmente concebidas como navio guarda-costas, rebocador,
mineiro e varredor. Alcançando, por isso, uma velocidade máxima de apenas 12
nós. Possuíam além de canhões, sistemas de varreduras de minas e lançadores de
cargas de profundidades.
O relato é de que a Corveta Ipiranga V 17 realizava uma
viagem de patrulhamento quando, em uma manhã de tempo bom e mar calmo,
chocou-se, às 10h da manhã, com o Cabeço da Sapata, uma formação rochosa
íngreme com mais de cinqüenta metros de altura
que quase chega à superfície. Embora conhecido e sinalizado nas cartas
náuticas, no local não há marcação.
Sem outras embarcações que pudessem prestar socorro e com
o rápido alagamento causado pela
entrada de água pelo porão frontal, atingindo a
casa de máquinas, o Comandante Rocha reuniu seus oficiais e ordenou o abandono
da embarcação quando a água já atingia o nível do convés. A Corveta V 17 levou
cerca de 8 horas para afundar, período este utilizado para o descarregamento e
retirada de importantes partes do armamento da navegação. Várias embarcações de
pesca do local participaram destes trabalhos de resgate.
As 4 metralhadoras 20mm acabaram sendo resgatadas
posteriormente, por mergulhadores da Marinha Brasileira, mas seu canhão de 3
polegadas mantém-se lá na proa, intacto.
Sua estrutura original está mantida e é possível a
penetração, durante a qual podem ser vistos instrumentos de navegação,
telégrafo, timão, cúpula de radar, rádios, telefones, etc...
Seguindo em direção à popa, chega-se ao casario,
com dois pavimentos.No primeiro existem duas torres de onde foram retiradas
duas das metralhadoras Na parte mais
alta, encontra-se a ponte de comando, com abertura para bombordo e boreste. A
partir da cabine de comando podem ser atingidas outras partes do navio, tanto
em direção à popa, quanto ao convés inferior. Diversas portas estão abertas, permitindo
penetrações na enfermaria, onde ainda se encontram ampolas de medicamentos,
banheiros, alojamento de oficiais e sala de rádio e navegação. O leme e os hélices
estão livres do fundo, porém em um deles, o de bombordo, falta uma das três pás.
Embora algumas operadoras de Fernando de Noronha estejam
exigindo uma certificação Técnica Trimix, para a realização do mergulho, a
operadora Águas Claras ainda vem fazendo este mergulho com ar comprimido (Extended
Range).
Nossa equipe optou por usar o ar comprimido e na tarde do
dia anterior iniciamos o planejamento do primeiro dos três mergulhos que
faríamos na Corveta V 17 nos dias que se seguiriam. Optamos por fazer um
primeiro mergulho de reconhecimento, com apenas 15 minutos de fundo. Como
redundância, calculamos o mergulho como sendo todo ele aos 60m, o que nos pedia
um tempo de descompressão de 25 minutos, sendo 10 deles acelerados com O2 a
100% aos 6m. Os mergulhos que se seguiram nos dias subseqüentes ainda na
Corveta Ipiranga V 17 foram mais dois, um diurno e outro noturno.
Para um maior aproveitamento, uma configuração técnica é
necessária e um mergulho com ar como back-gas, EAN 50 como travel-gas e O2 a
100% para descompressão nos permitem aproveitar 30 minutos no fundo em nosso
mergulho diurno de até 83 minutos. O uso de john line para a deco ajuda
bastante em virtude do número de mergulhadores e o fato de não ser incomum a
presença de corrente acima dos 15m.
Uma particularidade do mergulho em Noronha e em especial
na Corveta é que, em virtude da corrente, o encontro dos mergulhadores após
saltarem do barco se dá já submerso. Não se pode esperar para descer sob o
risco de ser levado pela corrente e perder o ponto de descida.
Devidamente equipados partimos em direção a Corveta
Ipiranga, a sensação é indescritível e o prazer, imensurável. São 3 minutos de
“pleno vôo” em direção ao azul do fundo, em uma água de 24°C independentemente
da profundidade. Aos 30m já se pode ver a Corveta pousada no fundo, em posição
de navegação, soberana naquela imensidão de areia branca. Em sua proa descansa
um enorme badejo quadrado de, aproximadamente uns 60 kg,que gentilmente aguarda
nossa aproximação. Mais adiante uma raia chita baila livremente. Uma imensidão
de seres vivos desfruta do convívio da corveta sem que nossa presença os
incomode. Somos, ao todo, seis
mergulhadores, sob o comando do impagável Dive Máster Samuca. Nos dias que se
seguiram o que parecia impossível aconteceu várias vezes, a cada olhar, batida
de pé, ou clique de máquina, nos surpreendíamos mais e mais com a beleza e a
magia da corveta. Na incursão que fizemos, devidamente filmada por Edu Kossatz,
meu dupla, e disponível nos links abaixo especificados, fica claro que um
mergulho como este é realmente uma oportunidade única, que merece ser
aproveitada.
:.Paulo Cid
Instrutor PADI #240096
Fotos: Edu Kossatz e Paulo Cid
Filmagens (Edu Kossatz): Video Mergulho Noturno
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